quinta-feira, 2 de maio de 2019

O lado bom do Calvinismo?

“Se reputamos ser o Espírito de Deus a fonte única da verdade mesma, onde quer que ela haja de aparecer, nem a rejeitaremos, nem a desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o Espírito de Deus.” (J. Calvino, As Institutas, II.2.15)

Apesar da marcante e austera influência do Sínodo de Dort (1618-1619), que consolidou uma imagem rígida e dogmática do Calvinismo, o subsequente desenvolvimento de uma tradição reformada mais moderada nos Países Baixos, especialmente do “cocceio-cartesianismo” aos “neologianos”, trouxe novas perspectivas. Inspirada por teólogos suíços reformados de linha mais liberal, essa corrente mais mitigada da tradição reformada abriu um caminho teológico promissor. Ela resgatou um aspecto frequentemente negligenciado do vasto trabalho intelectual de João Calvino, o reformador que, ao contrário de Lutero, não hesitou em desafiar a tradição escolástica de seu tempo.

Este “protestantismo liberal”, bastante próximo das luzes do Iluminismo holandês, apresentou-se, naquele contexto, como uma espécie de via media, uma tentativa de preservar o Calvinismo das amarras da ortodoxia protestante estéril que caracterizou o século XVII. Com a emancipação da teologia dogmática, a exegese protestante dos séculos XVIII e XIX encontrou novos canais de expressão e proporcionou à modernidade uma versão mais liberal e tolerante do cristianismo reformado, transitando entre os polos do socinianismo e os movimentos entusiásticos que floresceram naquela época.

Imagem: DALL-E

Betje Wolff, uma pensadora reformada holandesa, expressou de maneira contundente esse espírito: “Se recebo a verdade de Lutero ou Calvino, de São Paulo ou Sócrates, pouco importa, pois a verdade é a verdade.” Essa postura, ancorada em uma busca incessante pela verdade, não apenas soube acolher as dúvidas radicais sobre o pecado original, a predestinação e a suposta corrupção inerente da natureza humana, como também pavimentou o caminho para o desenvolvimento de uma espiritualidade progressista. No final do século XVIII, tal espiritualidade foi capaz de dialogar abertamente com o Iluminismo e suas inovações.
    
Citando o título de uma obra publicada por um amigo, talvez seja proveitoso conhecer melhor o “lado bom do Calvinismo”. Para uma análise detalhada dos principais aspectos dessa corrente, recomenda-se a obra de Ernestine Van Der Wall, “The Dutch Enlightenment and Distant Calvin”, publicada em Calvin and His Influence, 1509-2009, organizada por Irena Backus e Philip Benedict.

Referência
VAN DER WALL, E. The dutch enlightenment and distant Calvin. In: BACKUS, I.; BENEDICT, P. Calvin and his influence: 1509-2009. New York: Oxford University Press, 2011. cap. 10, p. 202-223.










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