Por Robson Souza (robs_costa@hotmail.com)
O calvinismo que conheci nos anos 1990 alimentava a expectativa de que as denominações presbiterianas se abrissem cada vez mais à inserção das mulheres nas “estruturas de poder” (e de produção simbólica) das comunidades locais, em nada se assemelhando a essa matriz teológica conservadora e dogmática de setores específicos da igreja evangélica brasileira contemporânea.
Nos púlpitos de nossas igrejas, a presença de seminaristas, missionárias, presidentes das Sociedades Internas, entre outras, não
apenas se conectava, de certa forma, ao modo como aquela geração
percebia o Evangelho (“ecclesia reformata et semper reformanda
est”), principalmente no que diz respeito à temática de gênero,
como também suscitava, em meio aos anseios por renovação teológica
(e conscientização ecológica), no contexto de nossa abertura democrática, uma leitura crítica da obra do
reformador que, no século XVI, procedera a uma radical
dessacralização das tradições religiosas então vigentes (sem
desprezar, como se sabe, os princípios caros à manutenção da
ordem nas assembleias cristãs e protestantes).
Aqui, Calvino insiste “que na santa assembleia dos fiéis todas as
coisas sejam feitas decentemente e com a dignidade que convém, e que
a própria comunidade dos homens seja mantida em ordem, como que por
certos laços de humanidade e moderação” (Institutas 4.10.28). Por outro lado, o reformador de Genebra procurou relativizar o poder espiritual da Igreja, problematizando as observâncias
religiosas nos termos da doutrina da liberdade cristã (e do
tratamento das assim chamadas “questões adiáforas”, i.e., de
coisas por si só indiferentes) - as consciências devem ser regidas
exclusivamente por Deus (Institutas 4.10.8).
Foto: Pixabay.com |
Com a advertência de que, em última análise, “poder” e
“discurso religioso” não deveriam (e não podem) aparecer
separados numa reflexão teológica que procura proteger a “liberdade
por Cristo dada às consciências dos fiéis”, trata de deslocar o debate para o campo das relações interpessoais ao converter o princípio da caridade numa poderosa “chave
hermenêutica”, evitando, assim, o
risco da tirania dos homens (Institutas 4.10.1).
Contextualizando a leitura bíblica, que exemplos João Calvino usa
na construção de sua principal linha de argumentação contra as
superstições vazias de conteúdo e destituídas de valor?
Justamente os textos mais valorizados por um certo tipo de
“neocalvinismo fake” - as recomendações paulinas e
(deuteropaulinas) presentes em 1Co 11.2-16; 14.34,35; 1Tm 2.8-15!
“Todavia, devemos tomar todo o cuidado para que tais observâncias
não sejam consideradas necessárias à salvação, subjugando assim
as consciências; nem tampouco que elas se constituem em honra e
culto a Deus, como se nelas estivesse localizada a verdadeira
piedade. (…)”
“(…)
Além disso, uma vez que se entenda que a lei de ordem visa ao uso
comum dos homens, é posta abaixo a falsa opinião de sua obrigação
e necessidade inapelável, opinião que perturba as consciências
quando se considera que as tradições são essenciais à salvação.”
(…) (Institutas 4.10.27, 28).
Portanto, o atual
recrudescimento das práticas discursivas sexistas, além de se basear numa leitura seletiva da tradição reformada, desconhece, em
muitos aspectos, a obra do Reformador. Calvinistas? Desconfio.
Referências
CALVINO, João. As
Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Livro IV. São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 1989.
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